segunda-feira, 1 de março de 1999

O sertanejo e a gota

Uma gota d'água,
A simples gota, puro pingo
Que escorrega na vidraça,
E resiste como nenhum outro
À evaporação que a deteriora
Após chuva tão escassa!

Quem me dera esse pingo,
Caísse em minha boca sedenta,
A míngua em minha boca!

E se essa gota,
Por um momento,
Me ceder o afeto
De escorrer em meu corpo,
É esta, meu Deus, que me banha a alma!

E há outra gota,
Escorre agora em meu rosto,
Uma gota de dor,
Da saudade d'água que me domina...

Como quero a gota,
As do conta-gotas não são iguais!
Se pudesse alcançá-la, ao menos,
Mas fico a assistir a seca, assim, inglório.

E mais à frente goteja,
A goteira, a cachoeira?
Não. Prefere a gota descer a vidraça,
E parece que em câmera lenta, a aflição do sertanejo
Em ver aquela gotícula perder-se em areias secas.

E grotesca parece a imagem
Do sertanejo que se joga contra a gota d'água,
Não muito distante do rio...
Pois proibiram-no de se aproximar do São Francisco.


Pablo de Araújo Gomes, alguma noite de 1999

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Pablo de Araújo Gomes